Não menos costumeiras, são as
dificuldades do FC Porto em tirar a carta de condução categoria D. A persistência
do erro é quase solene. O reinventar do 4-3-3 quase sem extremos e sem um
jogador criativo na zona interior, faz com que passar no código já seja um
castigo, quanto mais na condução do pesado de passageiros. Basta o adversário
ter um pouco mais de alma e/ou qualidade e está montado um bico-de-obra.
É necessário repetir sempre a
mesma coisa a cada jogo no Dragão (e até fora dele)? Não é já por demais
evidente que enfrentar jogos montados assim, sem amplitude no ataque e sem
criatividade na zona interior, é como malhar em ferro frio? Para quê insistir
em levar carta de condução categoria B, própria para um jogo mais “ligeiro”,
mais aberto, mais fino, mais olhos nos olhos, quando o jogo ameaça mais um
veículo pesado de passageiros para derrubar? Estes jogos exigem carta categoria
D! Amplitude, velocidade e criatividade.
O onze inicial do FC Porto sofreu
duas alterações em relação ao jogo da Champions frente ao Málaga. Face aos
castigos de Mangala e Alex Sandro, Vítor Pereira coloca Maicon no eixo central
da defesa e estreia Quiño a defesa esquerdo. Foram estas as únicas mudanças
introduzidas na equipa, na ressaca da noite Europeia e frente a uma equipa bem “patrocinada”,
como comprova a classificação.
Do lado vilacondense, as mudanças
são mais profundas. Com a ausência por castigo do avançado centro do Rio Ave,
Nuno aproveita para meter no onze inicial mais um ciclista: Braga. Reforça o
meio campo com Filipe Augusto no lugar de Diego e a defesa com Marcelo e Lionn.
O jogo começa com um FC Porto mandão,
mas sem conseguir criar oportunidades. Até é o Rio Ave a primeira equipa a
construir um lance ofensivo com perigo. Aos 7 minutos, Ukra leva de vencida
Quiño e obriga Maicon a corte providencial. O FC Porto responde ao 14 minutos,
com Varela a servir Lucho no coração da área. O capitão remata de primeira, mas
frouxo e à figura de Oblak. Responde o Rio Ave, aos 18 minutos, com Marcelo a cabecear
ligeiramente ao lado, após um canto.
O FC Porto controla a bola, mas não
fura a defesa vilacondense e só volta a criar perigo aos 27 minutos de jogo.
Centro tenso de Varela na esquerda, remate na passada de Izmaylov, que é desviado
em Edimar, enganando Oblak, mas acaba por sair ao lado.
No minuto seguinte, um dos
momentos do jogo. Trabalho de Izmaylov no interior da área do Rio Ave e Filipe
Augusto a pisar ostensivamente o pé do jogador do FC Porto. Avança Jackson para
a marcação, mas falha. Tentativa frustrada de marcar à Panenka, em remissão do
penalti falhado frente à Olhanense. Acabou por sair pior a emenda que o soneto
e o público do Dragão fez questão de expressar o seu descontentamento.
Ainda atordoado pela oportunidade
perdida, o FC Porto permite ao Rio Ave começar a contra-atacar. Aos 35 minutos,
Bebé foge a Danilo, mas não consegue acertar o último passe para Braga. Ficava
dado o aviso. Até que, aos 37 minutos, balde de água fria no Dragão. Passe
longo de Edimar para Braga, com este a fugir à marcação de Maicon. Helton é
lento e pouco decidido a sair da baliza, aproveitando Braga para passar pelo
guarda-redes do FC Porto com um chapéu. Restava evitar a dobra de Maicon e
rematar para a baliza deserta. Um 0-1 que trazia à memória o jogo frente à
Olhanense.
O FC Porto reage ao golo sofrido
e atira-se ao ataque. A equipa sente a pressão das bancadas e a nova exigência
que o marcador dava ao jogo. Aos 44 minutos, Lucho remata do meio da rua, após
combinação com Quiño, para defesa apertada de Oblak.
Um minuto depois, Quiño ataca a
área vilacondense e vê o seu centro a ser desviado por Marcelo, com a mão, na
grande área do Rio Ave. Para a marcação, avança de novo Jackson. Desta vez,
opta por uma cobrança mais precisa e directa e recoloca o marcador empatado.
Uma benesse que caiu que nem
ginjas antes do intervalo. O FC Porto poderia respirar e sem tanta pressão,
enfrentar o segundo tempo de forma a conseguir a vantagem no marcador.
O intervalo é bom conselheiro.
Vítor Pereira percebe que precisa de alguém que consiga baralhar as marcações
do Rio Ave. Decide fazer entrar James para o lugar de Izmaylov. Com James, a
equipa seria mais dinâmica no ataque e muito mais rápida na circulação da bola.
No que respeita a Izmaylov, após a grande penalidade, cai muito de produção.
Sofre um pisão violento no lance do penalti e é possível que estivesse limitado
fisicamente.
O FC Porto entra num ritmo muito
vivo e o Rio Ave sente dificuldades imediatas em suster o avanço portista. Logo
aos 48 minutos, magnífica tabela ao primeiro toque entre Jackson e Lucho,
finalizada com um remate colocado de Jackson, para defesa apertada de Oblak.
O Rio Ave ainda ensaia o
contra-ataque duas vezes, ambas por Ukra, mas a saída de bola do Rio Ave seria
rapidamente abafada por Fernando, na segunda parte.
A partir daqui, o FC Porto constrói
uma série de lances em que poderia criar perigo, mas onde sempre faltou melhor
definição para transformar esses lances em verdadeiras oportunidades de golo. O
Rio Ave vai fechando-se atrás e começa a perder capacidade de se lançar no
ataque. É, então, que Nuno tenta dar nova dinâmica à equipa, retirando Braga e
colocando Tope em campo. Mais velocidade e mais músculo no ataque.
A resposta de Vítor Pereira acaba
por ser decisiva para o jogo e para o resultado final. Aos 67 minutos, retira
Lucho e coloca Defour em campo. Numa primeira fase, Defour coloca-se na zona
central e a substituição não traz melhorias notórias à equipa. É, então, que
Defour é colocado no flanco direito, libertando James para a zona central. Com
a tenacidade de Defour no flanco, o jogo flanqueado do FC Porto ganha uma nova
vida e com James livre para criação de jogo ofensivo, o FC Porto torna-se muito
mais imprevisível.
Seria esta troca posicional a ser
a chave do jogo. Ao minuto 77, James centra da esquerda para a diagonal de
Jackson. Excelente antecipação do Colombiano a Nivaldo e com dois toques (recepção
orientada e remate de pronto) coloca o FC Porto na frente do marcador. Um golo
só possível pela liberdade concedida a James.
Até ao final, Vítor Pereira, e
muito bem, decide segurar o resultado, fazendo entrar Castro para o lugar de
Varela aos 87 minutos. Ainda houve tempo para Jackson tentar marcar mais um.
Mais uma excelente desmarcação, após passe longo de Helton, a forçar Oblak a uma
defesa de recurso e só com uma mão. Na recarga, nem Defour, nem Castro,
conseguiram encontrar o caminho da baliza.
No final do jogo, Vítor Pereira
aludiu ao desgaste emocional do jogo frente ao Málaga como atenuante para
abordagem ao jogo e, sobretudo, para a primeira parte francamente má efectuada
pela equipa.
Não lhe nego razão, sublinho até,
mas não deixa de ter o sabor do discurso político doméstico vigente. Quando
corre mal, a culpa é da Europa (leia-se competições Europeias), quando corre
bem, é mérito do governo (leia-se gestão de grupo).
Na verdade, começamos o jogo com
carta de condução categoria B para um veículo pesado de passageiros
vilacondense. Com James a 10 e um Defour a dar uma alma nova ao flanco direito,
passamos a ter uma carta de condução categoria D e aí já demos a volta ao veículo
pesado de passageiros. Lógico.
Análises Individuais:
Helton – Fica mal na fotografia
do golo vilacondense e já tem dessas fotografias em demasia esta época. No
resto do encontro, foi um espectador.
Danilo – Teve algumas
dificuldades perante Bebé, mas, rapidamente, ganhou o controlo sobre o seu
adversário. Ofensivamente, continua demasiado disparatado no momento da
decisão. Está bem longe daquilo que sabe.
Quiño – Foi uma boa estreia e
fica ligado ao resultado ao forçar a segundo penalti sobre o Rio Ave. Foi um
jogo que confirmou o que vem mostrando na equipa B. Tem um jogo ofensivo muito
fluido, embora nem sempre o conclua com qualidade, sobretudo, nos cruzamentos.
No plano defensivo, e na estreia pela equipa A, mostrou muita vontade em
cumprir a sua tarefa, embora tenha que aprender a posicionar-se. Um lateral
defende primeiro a baliza e só depois a linha de fundo. É este o seu maior
pecado, ao não “orientar” com a sua colocação na jogada o avanço do extremo
sempre para o flanco e nunca para dentro. Dito isto, deu-se melhor com Bebé, um
jogador explosivo, que com Ukra, mais técnico e com escola.
Otamendi – Volta a fazer um jogo
senhorial. Por ali, nada passou. Foi muito importante na segunda parte, com
antecipações primorosas sobre Tope.
Maicon – Não foi um bom regresso,
mas o golo de Braga é um nódoa imerecida na sua folha de serviço. Está algo
pesado e lento de processos, mas soube controlar a sua área de acção, excepto
no erro de cálculo que Braga aproveitou.
Fernando – Fez uma boa primeira
parte e uma excelente segunda parte. Na primeira parte, não foi tão
pressionante e deu algum espaço à saída de bola do Rio Ave. Na segunda parte,
cai sobre Filipe Augusto e empurra o Rio Ave para trás. Ainda deu uma ajuda na
circulação de bola lá à frente.
Moutinho – Mais um jogo de bom
nível, embora sem as pincelas de brilhantismo extra. Se calhar, o jogador que
mais açudou a jornada europeia, onde faz um jogo monstruoso. Muito atento nas
compensações e sempre disponível para o transporte de bola.
Lucho – Mais um jogo de muita
entrega, embora, algo apagado no ataque. Tentou o remate de fora da área, por
duas vezes, e teve uma excelente combinação com Jackson no início da segunda
parte. A equipa precisava de mais fluidez e é bem substituído.
Izmaylov – Algo complicativo na
entrega da bola e no momento de decisão. Na verdade, nem foi o extremo que a
equipa precisava, nem deu grande ajuda na criação de jogo na zona central.
Sofre um penalti e poderá ter saído lesionado do lance. É que após essa
situação, Izmaylov desaparece do jogo.
Varela – Muitas dificuldades para
vencer a resistência dos laterais vilacondenses, mesmo quando tinha a vantagem
do lance do seu lado. Ainda assim, é dos seus pés que saem os melhores lances
da primeira parte. Está com um futebol demasiado curto para ser o extremo
rompedor que o FC Porto tanto precisa em jogos como este.
Jackson – Como dizem os
brasileiros, “brincadeirinha, né?!”. Tentou exorcizar fantasmas, acabou
multiplicando-os à oitava potência. Ainda por cima, o público do Dragão cai-lhe
em cima. Situação complicada! O Dragão zangado com quem pode ganhar o jogo.
Vá lá, na segunda tentativa
mostra que percebeu a mensagem, faz por cumprir o seu papel e não tira de
esforço (lá na segunda circular levantam-se dedos ou manda-se calar!). Assume o
erro inicial na comemoração do golo e prova que os grandes jogadores são
humildes perante as suas fraquezas. Para selar as pazes, marca o golão do
costume. Faz um jogaço, não dando um momento de descanso aos centrais do Rio
Ave e sai de campo não como vilão, mas como o melhor em campo.
James – Entra para falso extremo
e não fez a diferença. Deriva para o centro e o futebol começa a ficar mais
fluido. O dele e o do FC Porto. A discussão sobre a posição correcta de James
começa a roçar o ridículo. Excelente assistência para o golaço de Jackson,
jogando solto na zona central, a 10, portanto.
Defour – De todos os falsos
extremos tentados neste jogo, foi o mais verdadeiro de todos. Com tenacidade,
talento e vontade, flanqueou mais e melhor que Izmaylov e James. Entrou para a
zona central, mas Vítor Pereira percebeu que tinha que trocar com James para
chegarmos à vitória. Em boa hora o fez!
Castro – Entrou para segurar 3
pontos preciosos. É assim mesmo!
«Já tinha dito que ia ser um jogo complicado, depois de uma jornada europeia extremamente desgastante, sobretudo a nível emocional. Já esperava grandes dificuldades, frente a uma equipa com bloco baixo, a defender sem grandes espaços. É sempre difícil. Para defrontar estas equipas é preciso velocidade, decidir bem e rápido. Demonstrámos grande carácter, pois estes jogos a seguir à Champions são jogos de grandes dificuidade. Não é fácil manter as ideias frescas depois de um jogo de grande exigência. O Rio Ave jogou à espera do erro. Falhámos um penalty mas fomos atrás do resultado e conseguimos virar o resultado. Dou os parabéns à equipa, aos jogadores, pela entrega. Não foi um jogo de muita qualiade, já esperava isto, mas foi um jogo de carácter.»
«O Jackson e qualquer jogador tomam decisões pela cabeça deles. Não sou eu que defino os passes, nem os movimentos. Trabalhamos para os marcar. Decidiu assim, e depois mostrou personalidade forte ao querer marcar novamente. Foi mais um exemplo da união da equipa. Já fizemos o nosso trabalho, agoera ficamos à espera que os outros façam o seu.»
«Tranquilo. Gostei.»
«Não preciso falar muito. Prefiro falar da equipa. Tenho tido o privilégio de trabalhar com grandes jogadores, de grande carácter.»
Depois
de ter falhado, Jackson pediu «desculpas» pela grande penalidade
e demonstrou evidente alívio por depois ter
conseguido marcar duas vezes. Uma delas de grande penalidade. «Agradeço a
confiança
dada pelo Lucho, demonstra o grupo que somos»,
referiu.
Sobre o jogo, Jackson confirmou que a equipa «tinha de
entrar
diferente na segunda parte», depois de nos
primeiros 45 minutos o Rio Ave ter retirado os espaços ao campeão.