terça-feira, 7 de outubro de 2014

HARAKIRI EM CONSTRUÇÃO

#SCBraga #FCPorto #PrimeiraLiga



Não sei se já é hora para tentar definir o Porto de Lopetegui. Talvez seja demasiado cedo.

O jogo de Braga revelou uma faceta preocupante que está para lá duma falha individual.

O ponto fulcral são AS FALHAS INDIVIDUAIS. O somatório de falhas individuais.

A perda de bola de Rúben Neves em Alvalade. A perda de bola de Oliver em Lviv. A ligeireza e tranquilidade de Maicon em Lviv. A perda de bola de Brahimi no Dragão.

Se recuarmos ao ano transacto percebemos que já vimos este filme.

O ano passado sucederam-se as perdas de bola infantis que varreram toda a defesa. Na altura o azar ou aselhice individual escondiam um problema mais vasto. A organização do meio-campo, a exposição da defesa e a perda da rede de passe no início de construção.

Não é a inexperiência ou a “mania” de craques que estão a proporcionar estes auto-golos indirectos. É o modelo. É o fundamentalismo em construção. O início de construção. O harakiri em construção.

Tirando Maicon todos parecem proibidos de recorrer ao passe longo para transportar a bola da nossa grande área para as imediações da área adversária.

O passe longo não deve ser modelo de equipa que quer dominar. Quanto a isso estou de acordo com Lopetegui.

A confusão está na mensagem que o modelo instala no cérebro dos jogadores. Perante um problema X que o jogo possa causar parece que a resolução não poderá passar por Y.

Se Fabiano recebe a bola de Maicon e vê Zé Luis a aproximar-se todos os seus neurónios deviam estar activados para a resolução do problema. Não estão.

A impossibilidade de utilizar Y = Alivio/Biqueiro/Chutão/Passe Longo está tão presente na consciente e subconsciente dos jogadores que perturba a resolução do problema X .

Um erro como o de Reyes perante o Genk não tem nada a ver com isto.

O erro de Fabiano contra o Everton, o de Oliver, o de Brahimi e o de Maicon não podem ser dissociados dessa ideologia que faz com que em nenhum segundo do jogo os jogadores se esqueçam da ofensividade do jogo. Se aliviarmos assim perdemos a bola. E nós queremos a bola.

Um chutão bem dado pode pôr em causa uma filosofia, prejudicar o crescimento individual do jogador num modelo de posse mas resolve um problema.

Um modelo de jogo por muito valioso que seja cola um conjunto de convicções e conhecimentos a uma realidade que se desconhece.

Num debate, numa corrida, num jogo de cartas ou xadrez podemos pensar previamente na estratégia ideal de abordagem. Estudar essa estratégia e saber aplica-la é um bom método para atingir o sucesso. Chama-se a isso treinar bem.

O problema é que desconhecemos sempre onde vamos colar o nosso modelo. A nossa verdade. Se na corrida o piso está molhado, se num debate o oponente é mais ou menos agressivo, mais ou menos ardiloso, mais ou menos conhecedor.

Vou tentar fazer um outro paralelismo para ver se isto fica mais claro.

Quem lê estas linhas terá estudado qualquer coisa na sua vida. Com Doutoramentos, licenciaturas, ensino básico ou secundário.

Imaginem agora que o senhor doutor, senhor engenheiro ou senhor arquitecto que me está a ler tivesse que repetir HOJE e todos os exames que fizeram nas Escolas, Institutos ou Faculdades. Passariam?

Se a conclusão é contrária será esse um sinal que foram anos perdidos e que hoje não deveriam ser doutores, engenheiros ou arquitectos?

Nada mais errado. O que fica no percurso é o conhecimento. Perdem-se informações apreendidas na altura mas ganha-se uma capacidade de pensar, questionar e resolver problemas interligando o que sabe com a realidade. Não se é capaz de resolver o problema porque se esqueceu a informação. É-se capaz de resolver problemas porque se ganhou conhecimento.

O que me parece transparecer ao ver o jogo do Porto é que a equipa não demonstra conhecimento. Tem uma série de informações e de ensinamentos que são aplicados no treino mas de tanto se centrar no modelo e na vontade de seguir um percurso pré-estabelecido perde a capacidade de pensar, se questionar e de resolver problemas quando a realidade que lhes surge à frente é diferente do esperado ou contrária à sua vontade.

Vários treinadores e várias equipas já apanharam o nosso ponto fraco e estão a massacrar em cima dele.

“O Porto sai em posse e não admite sair de outra forma. Se pressionarmos alto com 5,6 e 7 jogadores a morderem calcanhares, relvado e linha de passe vamos causar problemas.”

Não é por acaso que nas primeiras partes o Porto sofre sempre mais. Sofremos porque a equipa tem a lição bem estudada mas não se questiona nem resolve problemas.

Precisa de ir ao balneário para se adaptar.

Sofremos porque as pilhas do adversário estão carregadas e é na 1ª parte que o fôlego físico permite abafar o Porto como Guimarães, Sporting e Braga demonstraram.

O que pretendo demonstrar com esta ladainha é que o início de construção estudado, planeado e detalhado poderá vir a ser um Harakiri em Construção para toda a época do FCP se continuarmos a jogar contra adversários que nos estudam e CONHECEM auto-limitando a nossa capacidade de resposta.

O tiki-taka da construção será muito mais poderoso se os 6,7 e 8 lobos que invadem o nosso meio-campo tiverem medo que o Porto meta uma bola directa no Tello ou no Aboubakar.

Se fizermos isso uma vez com perigo, da próxima vez que tentarmos construir já lá não estarão 6, 7 ou 8.

A história da 1ª parte é esta. Um Porto sempre perigoso quando ataca mas que por opção própria de inicio de construção ataca pouco. Quem viu Matheus?

Um Braga muito perigoso na transição defensiva porque fere ao máximo o dogma de construção a passe curto e de caracol. As oportunidades de golo do adversário não são construídas. São todas roubadas.

Para além da forma podemos questionar os intervenientes. Se é para jogar com esse risco perante a realidade de pressão que o adversário nos coloca semana após semana então Herrera é dispensável.
Se o início de construção tem que ser assim e só assim então Marcano a 6 é perder uma das linhas de saída. Rúben passa melhor.

Se o Porto tem revelado estes equívocos na abordagem ao jogo, Lopetegui tem mostrado capacidade de leitura ao intervalo.

Neste caso foi à luta. Se o Braga nos deu na cara com uma realidade indesejada vamos torcê-la e ver quem ganha.

A flash interview mostra que Lopetegui sabia o risco que corria quando coloca um meio-campo com Rúben, Oliver e Quintero. Peito aberto e vamos ver se o poder de fogo ofensivo compensa a fragilidade defensiva e na recuperação.

Mais uma vez a tónica é posta na ofensividade.  Correr todos os riscos.

O Braga, como todos os adversários que nos causaram problemas na 1ª parte, perde o fulgor físico gasto na pressão e o Porto tem mais tempo e espaço para sair.

Como os intérpretes são mais técnicos sai melhor.
Como o poder de fogo ainda é melhor continua a criar perigo à frente.
Como a segurança defensiva é muito menor o Braga consegue criar perigo a construir e sem roubar. Como o eixo central fica mais exposto até de chutão para a frente nasce oportunidade de golo.
Estes ingredientes tornam o jogo numa roleta-russa. O Porto sai-se bem da roda. Alex rouba um golo atrás e Quintero faz magia à frente.

O 3-1 parece próximo mas o 2-2 nunca fica distante. É neste limbo que o jogo avança o que dá emoção ao Estádio e nervos a todo o mundo.

O resultado final dá razão a Lopetegui. O Porto voltou a torcer a realidade sem se a obrigar a adaptar a ela.
Tenho a certeza que no próximo jogo Marco Silva vai ter a mesma abordagem que teve no jogo de Alvalade. À Rui Vitória. À Sérgio Conceição.
Eles não jogam sempre assim. Jogam sempre assim porque jogam connosco.
Sabem com o que contam deste lado e desenham sozinhos a realidade.
Cabe-nos a nós voltar a tentar torcê-la ou mostrar conhecimento.
Não é Rúben, Maicon, Oliver ou Brahimi que têm a palavra. É Lopetegui .


Análises Individuais:

Fabiano – Exibição na bitola habitual. Entre os postes continua a dar a segurança exigível para um guarda-redes de equipa grande. Fora dos postes permanece seguro sem demonstrar a tremideira que se temia nos cruzamentos/cantos.
Com os pés é peixe fora de água. Duvida de si e faz com que todos tenhamos legitimidade para duvidar.
No global tem feito um arranque de época acima do aceitável. Justifica a titularidade.

Danilo – Liderança em campo. É comum o diálogo entre jogadores no relvado. Uma das expressões mais ouvidas é a “FAZ O TEU!”. Preocupa-te em executar bem o teu trabalho e é meio caminho andado.
Danilo é líder porque está para além do “FAZ O TEU”. É notório que Danilo percorre os terrenos que aquele jogo, aquelas forças e fraquezas que a equipa revela exigem.
Se estamos menos fortes no meio-campo Danilo vai lá ser mais um a pressionar. Se o ala ataca demais Danilo sobe menos porque alguém tem que cuidar.
Se as dificuldades de construção atrás são grandes é ele que assume a responsabilidade.
Está feito Zanetti. É capaz de fazer tudo, preocupa-se com tudo e é um farol na equipa.

Alex Sandro – Deu o tiro de partida para o harakiri da construção. O brasileiro nem sequer tem a desculpa da pressão porque o passe/assistência que faz para o ataque bracarense foi livre, leve e solto.
A partir do erro tentou reerguer-se e com a ajuda de Marcano foi impedindo que Pardo causasse maiores estragos.
Na 2ª parte tem uma intervenção decisiva quando Maicon não ataca a bola e fica a olhar para o balão.
Ofensivamente colaborou sem ser decisivo. A atitude perante o jogo é a contrária ao do colega do sector. Preocupa-se só com o dele e às vezes nem isso.

Maicon – O defesa central que treme, erra e volta a tremer parece estar de volta. Não transmitiu segurança atrás nem tem a sensibilidade para jogar diferente quando percebe que não está num dia bom.  Se Alex não o salva na 2ª parte a sentença poderia ser pesada.
Como este foi um jogo em que vários jogadores tocaram o céu e o inferno tem como mérito a participação no 1.º golo.

Martins Indi – Alguns sinais preocupantes. Na grande maioria das vezes em que dividiu uma bola de cabeça com o adversário perde. Como neste jogo tentou mais do que habitual notou-se.
No lance do golo bracarense o erro maior não é dele mas podia ter evitado a fuga de Zé Luis se mantivesse os 2 pés no chão. Um defesa quando sai de carrinho é como um guarda-redes quando sai a uma bola aéreo. Ou é para ganhar ou mais vale ficar quieto.
A tudo isto somou a habitual luta subterrânea. Fá-lo no limite do risco dentro ou fora da grande área o que expõe a sua equipa à equipa de arbitragem.

Marcano – 3 jogadores sobressaíram na 1ª parte: Danilo, Tello e Marcano.
Começa a médio-centro para ir tombando para o lado onde o fogo era maior. Nessa altura impediu que Alex Sandro fosse ficando mal na fotografia e que o Braga criasse perigo em construção.
Se defensivamente cumpriu e apagou fogos, na construção foi básico e pouco interveniente.
A forma como o Porto quis construir com demasiado apetite ofensivo e sem qualquer noção do perigo tornou-o irrelevante quando na realidade era dos poucos que não errava e equilibrava defensivamente.

Herrera – Mau jogo. Como mais de metade da 1ª parte foi passada no meio-campo defensivo Herrera não teve possibilidade de demonstrar aquilo em que é forte. Fôlego, intensidade, poder na 2ª bola em campo de ataque.
A criação do jogo ofensivo do Porto foi feito de forma paciente e a passo. Quem pisava o grande círculo nessa fase era o mexicano. Os lobos bracarenses mordiam todo o meio-campo.
Herrera de costas é sofrível. A rapidez de execução perante lobos não é o seu ponto forte.
Se é para jogar assim com longos períodos de tempo a serem passados perto da nossa baliza o mexicano é prescindível.

Oliver  - Ao contrário do habitual não assumiu o jogo como deveria na 1ª parte. Seria expectável que o médio com melhor qualidade de passe e maior capacidade de ter bola acudisse ao pânico verificado no inicio de construção.
Nesse período Oliver não teve a inteligência de se juntar a Herrera e Marcano e manteve-se demasiado colado aos triângulos com o lateral e o Extremo. Tanto que saíram dos seus pés, quando a bola passava do meio-campo, as principais combinações com Tello que incendiavam a defesa bracarense.
Na 2ª parte foi obrigado a jogar de forma mais central e mostrou que a forma como a equipa joga e se expõe exige Oliver em campo.

Brahimi – Demasiado disponível para o jogo. O argelino procura a bola esteja ela onde estiver. Como na grande maioria a bola está no meio-campo defensivo Brahimi recebe a bola demasiado atrás, fica a quilómetros da baliza adversária mas joga da mesma maneira.

A mesma ginga, a mesma revienga e a mesma dança.

Quem tem cabeça de atacante não deve ter bola quando coloca as botas na zona de defesa.
Foi pressionado ali, perdeu a bola e mais um golo sofrido por laxismo/fundamentalismo no inicio de construção.
No ataque continua a ser um foco de perigo. Com mais ou menos egoísmo ou mais ou menos cansaço é um dos símbolos do Porto de Lopetegui.
Será importante que pés, cabeça e tronco contactem a bola perto da baliza correcta.

Jackson - Parece o pai da miudagem toda. Ele é o Pai e Danilo o irmão mais velho que toma conta da inconsciente criançada. Teve uma primeira parte apagada porque a bola esteve sempre longe do seu campo de acção.
Na 2ª parte percebeu que em modo de roleta-russa tinha que dar vários passos atrás e foi fundamental na transição defensiva para além de valiosíssimo na combinação com os talentos ofensivos da equipa.

Tello  – A luz da equipa. Quando a sonolência do tiki-taka transportava os colegas para um estado comatoso e à mercê dos lobos bracarenses havia alguém que espetava um foco nos olhos dos companheiros e os obrigava a mexer.
Com uma desmarcação, um sprint ou uma arrancada Tello metia a 6ª velocidade à frente quando os companheiros jogavam em 2ª até ao meio-campo. A diferença de ritmo e predisposição para a corrida era tal que jogadas houve em que Tello é obrigado a fazer compassos de espera. No ataque.
Claro que não define bem, claro que decide muitas vezes mal mas é um jogador que activa a equipa, que a  impede de hibernar e a obriga a fugir do passe pastoso para o ataque e perigoso para a defesa.
Na 2ª parte teve mais e melhor companhia na vertente ofensiva e embora mantivesse a bitola notou-se menos. Começa a conquistar o titulo de imprescindível.


Rocket Neves – Entrou numa fase muito perigosa do jogo. Lopetegui decidiu ao intervalo que 1-1 não seria o resultado final e Rúben teve o papel de tentar equilibrar atrás o que parecia impossível. A qualidade de passe que sempre revelou quando jogou na sua posição esteve lá. Os lances cerebrais e geniais que pincelam as suas actuações a 6 também.
O que se viu de melhor face às performances anteriores foi a agressividade na disputa de bola.

Quintero – Quando Quintero joga a 10 Lopetegui estica a corda e transforma o jogo numa troca de socos. Por felicidade foi este boxeur que acertou em cheio no adversário.
Quintero é o jogador do plantel que eu escolheria para ter a bola no último terço. Não é egoísta, tem visão de jogo, qualidade suprema de passe e capacidade de remate. Dá tudo isto à equipa mas rouba capacidade de reacção à perda de bola.
A cueca que faz a um adversário em inicio de construção revela o modo roleta russa do jogo de Domingo.

Evandro – No meu entendimento entrou tarde. Pesos pluma no meio-campo e jogo partido quando se ganha por 2-1 não é um bom negócio.
Cumpriu o seu papel de estabilizador da equipa.



Ficha de jogo:

7ª Jornada: FC Porto 2 - 1 SC Braga
Competição: Primeira Liga
Estádio: Dragão, Porto
Assistência: 37.103

Árbitro: Pedro Proença (Lisboa)
Assistentes: Paulo Soares e André Campos
4º Árbitro: Luís Ferreira

FC PORTO: Fabiano; Danilo, Maicon, Martins Indi, Alex Sandro; Iván Marcano (Rúben Neves, 45), Héctor Herrera (Quintero, 45), Óliver Torres; Brahimi (Evandro, 77), Tello e Jackson Martínez. 
Suplentes não utilizados: Andrés Fernández, Quaresma, Ádrian López e Aboubakar.
Treinador: J. Lopetegui

SP. BRAGA: Matheus; Baiano, Aderlan Santos, André Pinto, Tiago Gomes; Danilo, Rúben Micael( Pedro Santos, 72), Pedro Tiba (Alan, 86); Rafa, Pardo e Zé Luís (Éder, 79). 
Suplentes não utilizados: Kritciuk, Sasso, Custódio, Salvador Agra.
Treinador: S. Conceição

Golos: Martins Indi (25),  Quintero (59) para o FC Porto e  Zé Luís (32) para o SC Braga

Discuplina: Cartões Amarelos, M. Indi, Alex Sandro, Marcano e Óliver para o FC Porto, Baiano e Tiba para o SC Braga.
  

Por: Walter Casagrande

2 comentários:

Professor Hélder disse...

Sublime a análise! Parabéns!

michael disse...

é a diferenca para as épocas de Sir Robson, em que aos 15 minutos já estava sempre 2-0 :)
aqui há que penar pelo menos meia hora...
também espero que estas coisas sejam corrigidas, o 11 está a ser estabilizado e estes pormaiores vao ser debelados.
ainda nao percebi o que Lope tem pedido ao Evandro...
Grande análise, um abraco Portista

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