O entusiasmo e o romantismo de um
adepto do desporto é de uma ingenuidade tocante.
Quando era puto gostava dos
tenistas que subiam à rede porque isso era bem mais espectacular do que os que
baseavam o seu jogo no fundo do court. Sei quem é o Pat Cash porque ganhou uma
final em Wimbledon e tenho que ir à Wikipedia para perceber quem era aquele
equatoriano ou peruano que um dia ganhou aquela chatice que era Roland Garros.
O que era espectacular é que fica
na memória. A eficácia é coisa de momento.
Quando era puto fiquei aficionado
duma equipa da NBA que baseava o jogo no run&gun e nos triplos a finalizar
contra-ataque. As vitórias por 132-130 valiam mais do que as 88-86.
No futebol igual. Não percebia
como é que as equipas inglesas elogiadíssimas pelo Gabriel Alves baqueavam
facilmente na Europa.
E a frase “A melhor defesa é o ataque?”. Vale ou não vale?
Custava-me a crer como é que um
Dream Team levava 4 secos de um Milan com o DeSailly a meio campo.
Fui crescendo a ver uma Argentina
defensiva a chegar à final do Mundial de 90. Em 1994 vi um Brasil retranqueiro
com Dunga, Mazinho e Mauro Silva a conseguir o que as espetaculares equipas de
82 e 86 não conseguiam. Uma Itália fiel ao catennacio a perder só nos
penalties.
Em 1998 Deschamps, Petit e Karembeu
faziam o miolo numa equipa campeã do mundo sem ponta de lança de jeito.
As equipas espectaculares e
atacantes sem este (des) equilíbrio defensivo acabavam por cair. Caiem sempre.
Quem é que não se sentou cheio de
entusiasmo para ver o Chile do Bielsa contra o Brasil do Dunga em 2010?
Entretanto cresci e fui percebendo certas coisas.
Percebi que um tenista pode ser medíocre no jogo de
rede e ser TOP-10 no mundo.
Percebi que um tenista não pode ser mediano no jogo
do fundo do court e aspirar a ser TOP-20.
Percebi que uma equipa de basquetebol de muita
correria e triplos só ganha jogos.
Percebi que a frase “O ataque ganha jogos e a defesa
campeonatos” vale mais do que “A melhor defesa é o ataque”.
No futebol igual. Se há 10 anos atrás atribuía ao
factor acaso o fracasso do Barça de Cruyff frente ao Milan de Capello já há 2
percebi como é que o Inter de Mourinho deu a volta à melhor equipa que já vi
jogar futebol.
Com tudo isto à medida que vamos
envelhecendo pensamos que ficamos mais espertos.
Não ficamos. Incorporamos o que
vemos mas temos tendência em não introduzir a história quando fazemos a
antevisão dos jogos.
Na realidade somos
preconceituosos.
Gostamos do que queremos gostar e
queremos que a realidade dê razão ao nosso gosto.
Definimos um conjunto de
competências que achamos essenciais para vencer e forçamos a realidade a
adaptar-se ao nosso desejo ainda que tenhamos esquecido ou subestimado a
importância de alguma.
O Federer tem as competências
todas. É o melhor de todos os tempos.
O Nadal tem uma ou duas. O Nadal
ganha ao Federer? Então é porque é psicológico.
A Holanda tem Sneijder, Robben,
Van Persie, VdVaart e Huntelaar e faz 0 pontos no Europeu?
É porque havia mau ambiente no
balneário ou queriam fazer a cama ao treinador.
O James lesionou-se? Não temos
hipótese.
Portistas, benfiquistas e
sportinguistas que gostam de desporto e futebol viram o mesmo que eu vi e que
aqui escrevi.
80% deles pensavam que o Benfica
era favorito porque o Porto, para além de Jackson, não tinha ninguém para
desequilibrar.
80% de nós (eu incluo-me nesta
fatia) achavam que o Benfica era favorito mesmo sabendo que o Benfica, para
além de Matic, não tinha ninguém para equilibrar.
Nascemos desportivamente ingénuos.
Morreremos desportivamente românticos.
Somos capazes de dizer que um
defesa fez uma enorme exibição tirando aquele lance em que se esqueceu de
marcar um avançado e permitiu que ele seguisse isolado para a baliza.
Somos capazes de dizer que um
defesa lateral foi o melhor em campo mesmo que tenha sido “comido” na defesa
pelo adversário em 2 ou 3 lances perigosos.
Nós e eles víamos Ola John,
Gaitan, Salvio, Rodrigo, Lima, Nolito, Bruno César e pensávamos que com Varela,
Seba, Tozé e Kelvin estávamos curtos para discutir o jogo.
Como se o Nadal antes de um jogo
com o Federer pensasse que estava lixado porque não tinha jogo de rede.
Perante esta estranha introdução
ao Benfica-Porto em que é que ficamos?
O Porto fez uma grande, razoável
ou pequena exibição no Domingo passado?
Depende. Depende do contexto.
Eu fiquei agradavelmente
surpreendido. Porque sou um amnésico preconceituoso.
Nos últimos 10 anos não é fácil
descortinar um jogo onde se tenha sentido um tão grande domínio do Porto.
O argumentista do filme de
domingo à noite foi o Vitor Pereira e foi o modelo de jogo do Porto que imperou
nos 90 minutos.
O ano passado, por exemplo, o
Porto entra muito bem e domina o jogo até aos 20,25 minutos.
O Benfica reage e consegue impor
o estilo frenético a partir daí. Na 2ª parte sucede o mesmo de forma inversa.
Há luta de estilos e a história do jogo só pode ser contada mesclando os
períodos de domínio de uma e outra equipa.
Esta época não. Não me lembro de
um jogo na Luz (tirando uma vitória por 1-0 com golo do Deco na era Mourinho)
em que o Porto tenha passado os 90 minutos sem ser encostado às cordas por 5
minutinhos que fossem. Aqueles períodos em que nós, portistas, pensamos ou
verbalizamos:
“Eles estão a apertar! Estamos a
ser pressionados.”
Para os 80% de desmemoriados,
como eu, que achavam que era na contagem de espingardas atacantes que se
definia a pole position o Porto foi grande.
Chegar a casa do rival e fazer do
jogo o que ele queria que fosse durante 90 minutos é de louvar.
O paradoxo é tal que se contarmos
oportunidades flagrantes de golo o Benfica tem tantas ou mais nos 90 minutos. Se
é assim, estranho observar o alívio nas declarações de uns e a revolta na de
outros.
Esse sentimento não se prende
unicamente com questões arbitrais mas também com o facto de uma equipa que se
acha e comporta como grande ter sido reduzida a uma pequenez de comportamento
que julgava não ter que suportar.
Em 2011/12 o Porto abre com 1-0 e
com Lucho aos comandos sufoca a saída de bola do Benfica. Lá para os 25 minutos
de jogo Jesus manda retirar as tropas por terra e avança pelo ar e consegue
equilibrar. Uma concessão ao modelo para jogar olhos nos olhos com o Porto.
Em 2012/13 o Porto abre a dominar
mas de forma menos casuística. Já não havia surpresa. Tirando o frenesim de
erros e golos o Benfica, já avisado, tenta não esperar pelo minuto 25 para
retirar as tropas e equilibrar o jogo.
Primeiro há incapacidade e depois
há uma renúncia clara a fazer 4 passes seguidos e orientados. “Não vale a pena”
– pensa Jesus
Só que desta vez nem pelo ar.
Fernando, Mangala & friends começam a limpar também pelo ar e a intimidar
jogadores propícios à intimidação.
O Cardozo parecia um gatinho
assustado e o Lima um cachorrinho perdido.
Passa o minuto 25 e o Porto
continua a mandar. Enzo Perez está tão toldado pela necessidade de acompanhar
com 2 olhos e 2 pernas 4 médios que nem na bola toca e apenas Matic fazia umas
flores à Alex Sandro quando se punha aos ziguezagues perante a matilha de
médios a salivar que o perseguiam.
Se não dá por terra nem pelo ar a
equipa fica perdida. O que fazer para respirar? O balão de oxigénio era o único
jogador do Benfica com linha de passe confortável para a recepção.
Salvio tinha sempre espaço para
receber a bola porque a ala esquerda estava desalinhada da pressão sem bola
feita pela equipa toda.
Ao contrário da equipa o Alex dava
espaço para o adversário directo receber a bola e só aí se encostava. As vezes
que o Mangala teve que fazer de defesa esquerdo na 1ª parte para dobrar ou
auxiliar o Alex foram demasiadas.
Tantas que no lance do 2.º golo
Maxi e Salvio, sem qualquer rasgo criativo, conseguem chegar à linha apenas
correndo. Varela fica a olhar para amanhã, Alex em vez de fechar a baliza
protege a linha lateral e obriga o Mangala a abandonar o eixo para tentar matar
a jogada ali.
No lance do 2.º golo há falhas
técnicas e falhas atitudinais. As primeiras perdoo com mais facilidade,
confesso.
Chega a 2ª parte e o tom do jogo mantém-se.
Se há dúvidas sobre quem mandou e
quem dançou ao som do mandador é só analisar as declarações de Jorge Jesus no
fim do jogo quando trai uma afirmação inicial de jogo disputado taco-a-taco
dizendo:
“A meio da 2ª parte os médios do
Porto começaram a ficar mais cansados e o jogo ficou mais equilibrado.”
Se ficou é porque não estava.
Nunca esteve. Mesmo com o cansaço.
É de tal forma gritante que o
Benfica obriga-se, inteligentemente, a jogar à Stoke City para sentir que podia
discutir o resultado.
Bolas paradas, lançamentos. Se
insistissem em ter comportamento de grande contra o poder do nosso meio-campo
acabavam de gatas como em 2011/12. “Não vale a pena!” - pensou Jesus.
Pensou bem.
Num clube fanfarrão a impotência
dói muito. A sensação de ser dominado sem apelo nem agravo doeu mais do que o
empate. Estavam todos aliviados como se acabassem de sair vivos de um rapto em
que pensavam não ter escapatória.
“Uf! Safamo-nos!”
E nós?
Nós fizemos do Benfica uma equipa
pequena mas não ganhamos.
Fizemos do Benfica o que fizemos
do Gil Vicente na 1ª jornada e o que, muito provavelmente, iremos fazer do
Setúbal e do Guimarães em próximas deslocações.
Dominar o jogo todo. O problema
grave é a capacidade criativa. O jogo é nosso mas a baliza não. No Domingo não
ganhamos ao Benfica como voltaríamos a não ganhar ao Gil porque falta quem
materialize. Quem mude a velocidade do jogo no último terço para que o passe
Lucho-Jackson com 10 pernas à volta não se processe da mesma forma que o passe
Fernando-Moutinho contra 4 pernas adversárias.
Precisamos de velocidade se o
bloco não é exageradamente baixo e de ter jogadores que no 1 para 1 desatem o
nó quando o autocarro é estacionado.
Temos jogadores defensivos
velozes mas ofensivos não. Os que temos ou são inconsequentes (Atsu) ou parecem
preferir tentar dar à equipa aquilo que ela não precisa (Iturbe).
O único jogador capaz de
ultrapassar um defesa adversário via drible é o Alex Sandro.
Precisamos de James para que os
adversários se esqueçam de qual é o ponto forte desta equipa. O fabuloso trio
de médios.
Saio pessimista de Domingo porque
fizemos do Benfica uma equipa vulgar e fomos incapazes de capitalizar essa humilhação.
Deu ainda para perceber que as
dificuldades que atravessamos perante o transformado fraco opositor se irão
replicar no resto do campeonato.
A jogar assim teremos 50% dos
jogos da 2ª volta a serem decididos com 1 golo de margem.
A jogar assim discutimos o jogo
com o Málaga, o United ou a Juventus sem temores.
A jogar assim teremos menos hipóteses
num campeonato desequilibrado.
Os pontos fracos do Porto são
expostos por equipas fracas.
Os pontos fortes do Benfica são
revelados contra equipas fracas.
Temos equipa para a Champions mas
precisamos de reforços para atacar a Liga.
Melhor jogador em campo: Fernando
2.º Melhor Jogador em campo: Lucho
3.º Melhor Jogador em campo: Moutinho
Prémio à 2ª só cai quem quer: Mangala no filme “Como deixar fugir um
paraguaio a coxear.”
Arbitragem:
João Ferreira esteve muito bem.
Poucos são os árbitros com um padrão de actuação linear e coerente. Muitas
vezes as equipas queixam-se que nunca sabem com o que podem contar porque o
critério varia ao sabor do vento.
Com o João Ferreira não há
tornado que mude o critério. Em Aveiro e na Luz sempre a deixar jogar. Não
mostro amarelos a uns nem vermelhos a outros. Uns podem fazer faltas e outros
podem agredir.
Não posso dizer o mesmo do árbitro António Godinho
que ao não seguir a linearidade do seu chefe de equipa acaba por ter influência
no resultado.
Devia ter levantado a bandeira no lance do 1.º golo
do Porto. Ninguém estranharia.
Termino com a análise ao Vítor Pereira.
A conferência de imprensa é
brutal. Brutal porque dá um megafone aquilo que todos pensávamos.
Eu pensava que o que se tinha
passado ia cair no esquecimento. Graças ao nosso treinador não foi possível
branquear. Muitíssimo bem.
Esta equipa é equipa de
treinador. Tacticamente falando. Joga um tipo de futebol oposto do estilo de
Jesualdo Ferreira herdado e conservado com apport emocional por André Villas
Boas.
Tenho dúvidas conceptuais no que
concerne aos riscos defensivos mas o que tenho visto em parcelas de jogos é que
esta equipa é colectiva e de treinador.
É o Porto de Vítor Pereira como
há o Barcelona de Guardiola, o Milan de Capello ou o Stoke City de Tony
Pullis/Jorge Jesus.
Por: Walter Casagrande
2 comentários:
não concordo 100% com tudo; tem certas nuances em que o lado da prosa puxou mais do que a realidade pede... ou seja, deixou-se embalar pelo ritmo cadenciado da pregação....(também se fazem golos do meio do campo, p.ex. ) mas, está muito bem escrito, e é muito refrescante em tremos de análise....
é sem dúvidas uma das melhores análises a um jogo que já vi, não só ao jogo em sí mas também à forma como o vemos... concordo praticamente com tudo, a começar pela estranheza pelos muitos elogíos ao Alex Sandro e a acabar com o facto de se tratar duma "equipa de treinador" -- pelo menos desde a saída do Hulk isto ficou evidente.
concordo também com a análise ao benfica, é uma equipa feita para cilindrar opositores mais fracos (e é isso que a vasta maioria da comunicação social acha uma equipa espectacular). mas eles sempre foram do tipo de se gabar de ter goleado o Setúbal por 6-1 em épocas quando este ia descer de divisão, nada de novo... acho a abordagem muito mesquinha, mas admito que pode dar o campeonato, sobretudo num ano tão desequilibrado como este.
não partilho a opinião sobre o árbitro (todos os lançes polémicos são a favor do benfica), mas uma equipa madura de qq forma tem que ficar focada naquilo que ela própria pode fazer.
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