Por: Emanuel Leite Jr.*
“Virando costas ao mundo,
orgulhosamente sós”, exaltava António Salazar. É inevitável lembrar deste lema
fascista ao ler sobre o contrato de venda dos direitos televisivos celebrado
entre o Benfica e a NOS para os próximos 10 anos, no valor de 400 milhões de
euros (40 milhões por temporada). Valores que o clube anuncia como fantásticos.
Mas, que atendem apenas aos seus interesses, em detrimento do coletivo: ou
seja, da Liga Portuguesa.
É curioso notar que enquanto o
mundo caminha na direção da adoção de modelos de negociações que busquem
preservar a equidade competitiva - com o objetivo de que a competição seja
desportiva e não financeira -, o Benfica contribui para aprofundar ainda mais o
fosso intransponível que já separa os tradicionais grandes portugueses dos
demais clubes do país. Aquilo que Noam Chomsky alertou para o risco do poder
concentrado dos “clubes dos ricos” e eu denominei de “apartheid futebolístico”,
em meu livro “Cotas de televisão do campeonato brasileiro: apartheid
futebolístico e risco de espanholização”.
Quando comecei a estudar o que no
Brasil ficou conhecido por “cotas de televisão”, os contratos da Série A do
Campeonato Brasileiro ainda eram negociados pelo Clube dos 13 (C13). Tal
entidade concentrava os recursos sob os interesses de seus associados. Criava,
então, um pequeno e privilegiado grupo de elite, em detrimento de todos os
outros. Situação que gerava uma brutal desigualdade. Fazendo surgir o que
denominei de “apartheid futebolístico”, em analogia ao que o Senador
Cristovam Buarque tão bem definiu como apartheid social, quando analisou
a triste realidade de desigualdade social e econômica do Brasil.
Entretanto, após imbróglio
envolvendo as negociações dos contratos de 2012-2014, o próprio C13 perdeu seu
controle e viu parte de seus associados boicotarem a negociação coletiva e
partirem para negociações individuais com a Rede Globo. A negociação coletiva
era determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), uma vez
que Globo e C13 haviam firmado acordo (Termo de Compromisso de Cessação - TCC)
para que fosse encerrada uma investigação por formação de cartel, referente a
contrato de 1997-1999.
As negociações individuais, ao
concentrarem ainda mais o poder nas mãos de apenas dois clubes – Flamengo e
Corinthians -, gerou o temor do “risco de espanholização”. Entretanto, é de
vital importância ressaltar que seu maior malefício é o aprofundamento do “apartheid
futebolístico”. No Brasil, os contratos entre os clubes e a Rede Globo foram
renovados até 2018. Flamengo e Corinthians vão receber, por ano, cerca de R$
170 milhões, enquanto clubes como, por exemplo, Bahia (duas vezes campeão
brasileiro), Sport Recife, Coritiba e Atlético-PR (todos com um título
Brasileiro) vão faturar R$ 35 milhões.
Desde 2001, a Comissão Europeia
decidiu tomar parte ativa no assunto, estabelecendo um marco regulatório em que
convidava as ligas a adotar o modelo de negociação coletiva. A iniciativa da
Comissão Europeia visava ao cumprimento do artigo 81 de seu Tratado
(consolidado em sua versão de Nice), que se preocupa, precisamente, com a
preservação da livre concorrência. Na opinião da Comissão Europeia, as
negociações coletivas tornam a “competição mais atrativa, uma vez que as
equipes competem em um contexto de maior igualdade de oportunidades” e
proporcionam “uma maior estabilidade financeira para as equipes de futebol,
devido a uma melhor redistribuição dos dividendos da televisão”.
Foi na esteira das orientações da
Comissão Europeia, inclusive, que a Bundesliga (Alemanha) e a Premier
League (Inglaterra) celebraram, em 2005 e 2006 (respectivamente), seus
compromissos de manterem as negociações coletivas para as vendas dos direitos
de transmissão de seus campeonatos. Aceitando, inclusive, o estabelecimento do
tempo máximo de duração de três anos por contrato. Medidas necessárias para que
se evitasse uma concentração de mercado, o que afetaria a própria autonomia das
vontades nas relações privadas.
No já referido “Cotas de televisão
do campeonato brasileiro…”, cito o caso da Serie A italiana e do
relatório da autoridade antitruste de 2007 (na sequência, portanto, das
determinações da Comissão Europeia). “Na Itália, entre 1999 e 2011, os clubes
estiveram livres para negociar os direitos de televisão individualmente.
Preocupado com o desequilíbrio orçamentário entre os clubes, o Ministério do
Esporte determinou que as cotas de televisão voltassem a ser negociadas
coletivamente. Em janeiro de 2007, a autoridade antitruste da Itália
recomendou, em relatório de 170 páginas, que o sistema de negociação coletiva
fosse utilizado novamente para garantir maior competitividade ao campeonato
italiano.Foi necessária uma intervenção estatal, via Ministério do Esporte,
para que se procurasse um modelo de negociação coletiva com regras
estabelecidas para uma divisão mais equânime destes recursos.”
Lembremos, como último exemplo, da
Espanha, que em 2015 passou a ter regulamentação estatal - Real
Decreto-Ley 5/2015 - das negociações dos direitos de transmissão. Ou seja,
enquanto a Espanha deu um passo à frente, rumo a um tratamento mais equânime
A preocupação da Comissão Europeia
em preservar a livre concorrência se coaduna com as teorias mais avançadas de
justiça. O Nobel da economia John Nash, ao desenvolver a teoria dos jogos,
concluiu que a cooperação gera mais benefícios à coletividade do que o
individualismo. No caso da concentração de renda do futebol português -
capitaneado pelo Benfica, especialmente com seu novo contrato de 400 milhões
com a NOS -, o individualismo (concentração dos recursos) ao prejudicar a
igualdade de condições entre os clubes que competem em um mesmo campeonato
(coletividade), empobrece, por conseguinte, o próprio campeonato, ao passo que
este se torna desnivelado tecnicamente, perdendo sua competitividade e
equilíbrio das disputas. Ou seja, acaba com a própria essência do desporto.
As negociações individuais são
maléficas para a coletividade. No livro “Cotas de televisão do campeonato
brasileiro...”, argumento que é a negociação coletiva que se aproxima mais do
ideal de “cooperação social” preconizado por John Rawls. Afinal, através da
negociação coletiva se pode obter um acordo em que haja “vantagem mútua” entre
todos envolvidos. Desde que a divisão dos recursos trate todos intervenientes
de modo equitativo, não permitindo “que alguns tenham mais trunfos do que
outros na negociação”.
A centralização dos direitos de
transmissão televisa foi plataforma de campanha de Pedro Proença em sua
vitoriosa candidatura à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). O
presidente da Liga tinha na medida uma de suas prioridades para a entidade que
comanda. E o que o dirigente propunha era justo, na medida em que objetivava
colocar Portugal no mesmo rumo das mais bem sucedidas ligas de futebol do mundo
- Premier League, Bundesliga, La Liga, Serie A, Ligue 1. Bem como
respeitaria as orientações da Comissão Europeia para a preservação do livre
mercado e, também, o Princípio da Igualdade, base fundamental de um Estado
Democrático. Afinal, mais do que princípio, a igualdade, desde os gregos
antigos, caracteriza a democracia.
Quando se fala em igualdade, é
importante ressaltar, não se pode confundir com igualitarismo. Norberto Bobbio
já nos ensinou que essa confusão é fruto de "um insuficiente conhecimento
do 'abc' da teoria da igualdade".
Igualitarismo seria a igualdade
absoluta, ou seja, a proclamação de que todos são absolutamente iguais,
independentemente de critérios discriminadores. O princípio da igualdade não
busca igualitarismo absoluto e muito menos permite que ocorram diferenciações e
discriminações absurdas e arbitrárias. A isonomia visa a garantir o respeito
aos semelhantes e suas peculiaridades, enfim, o respeito à sociedade plural e
democrática. Afinal, como preconizou Aristóteles, “a igualdade consiste em
tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade.”
O contrato celebrado entre Benfica
e NOS é uma agressão ao futebol e ao espírito desportivo. A enorme e
injustificável desigualdade nas receitas televisivas são o prenúncio do fim da
competitividade desportiva. É uma relação que traz em seu âmago a injustiça
como alicerce. Afinal, igualdade é justiça. E, lembremos, igualdade é
democracia.
*Emanuel Leite Jr. é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e formado em Jornalismo pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (Uninassau). Repórter do Superesportes do Diario de Pernambuco. Responsável pela campanha #PorCotasdeTVJustas - http://porcotasdetvjustas.com.br/. Siga no Twitter @EmanuelLeiteJr
1 comentário:
Mas o que se esperava e ou espera desse Clube, comandado por essa gentalha com Luís Filipe Vieira à cabeça, mais conhecido como o KADAFI dos pneus e afins.
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